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não-corinthianos, quando falam do estádio que está sendo construído em Itaquera,
repetem aquela ladainha de 'ajuda do governo', de 'absurdo', 'pq tinha o
Morumbi' e outras baboseiras. Acho que a maioria o faz por uma aliança entre a
ignorância e a raiva pelo Corinthians. Uma minoria, mais bem informada, o faz
por vigarice intelectual mesmo. Tem uma parte da história que sempre fica de
fora nessas horas.
O Morumbi era o
estádio natural de São Paulo para Copa. O acordo é que o RJ recebesse a final -
coisa que nunca foi de fato contestada - mas São Paulo queria a abertura, e essa
posição, sim, tinha sérios riscos: pelo menos Minas e Brasília também queriam.
Para ser abertura da Copa, a Fifa faz uma série de exigências (na prática, o
estádio tem de ser nível primeiro mundo com mais alguns 'acessórios'). Quem já
foi no Morumbi sabe a 'maravilha' que é (não que seja muito pior do que outros,
exceção feita ao fato de que há partes do estádio em que você não enxerga o
campo todo e da total dificuldade de acesso) e imagina o quanto de reformas
seria necessário para adequar.
Bom, não precisa
imaginar: foi feito o estudo e chegaram a cifra de cerca de R$ 640 milhões de
reais. Todo mundo sabe que o São Paulo já estava com vontade de reformar o
Morumbi há tempos, e ninguém vai se enganar de não achar que os dirigentes
pensaram que a copa seria uma ótima chance de fazer essa reforma com (no mínimo)
alguma ajudinha do poder público. Como a idéia inicial era não por grana pública
num estádio privado (pelo menos não de cara), o comitê da Copa em SP, composto
por Fifa e governos estaduais e municipais ficaram 2 anos esperando o São Paulo
apresentar um plano de projeto, onde deveria constar, em especial, como o clube
se financiaria para fazer a reforma. Primeiro demorou para apresentar o projeto
de reforma; depois alterou o projeto. Aí enrolou para apresentar o custo e,
quando apresentou, não apresentava-se as formas de financiamentos. Em cada
reunião que a coisa não vinha, ficava mais claro que o clube estava jogando com
a situação, deixando que o prazo ficasse mais enxuto para ver se alguma grana
entraria pelo governo (afinal, era interesse do estado e da cidade trazer a copa
para cá e, até então, não tinha nenhuma outra possibilidade viável de
estádio).
Eu tinha um chefe
que sempre dizia que, numa negociação, você nunca pode deixar o outro sem saída
- deve-se sempre possibilitar alguma saída honrosa. Porque alguém acoado é
alguém perigoso, e você pode não gostar da reação. Imagine como os governos se
sentiram nessa situação, vendo que o SPFC estava enrolando e, na prática,
forçando os participantes a uma 'solução' que não era a que eles queriam? Se
você já se viu numa situação que em sente que o outro está te f* bonito e não tá
nem ligando, porque acha que você não tem outra saída, sabe do que estou
falando...Tinha outro problema: de qquer forma, os governos deveriam fazer um
forte investimento de infra-estrutura na região do estádio, principalmente de
acessibilidade - só que numa cidade com tanta região pobre, gastar bala numa
região nobre como o Morumbi seria complicado. Enquanto isso, o lobby de Minas e
Brasília para levar a abertura para lá aumentava, argumentando que a situação em
São Paulo estava muito enrolada...
Por outro lado, a
diretoria corinthiana já vinha pensando em várias alternativas de fazer seu
estádio - principal projeto de Andres Sanches quando assumiu o clube. O projeto
que apresentava maior viabilidade era o do terreno em Pirituba (terreno esse que
agora servirá para um centro de convenções municipal). Seria um estádio para
cerca de 45 mil pesssoas, de primeiro mundo, mas sem nenhuma correlação com as
exigências da Fifa. O clube também viu em todo o rolo com o Morumbi uma
oportunidade, pessoas se falam, descobrem que fulano e ciclano tão p*tos da vida
com Beltrano, e também foi "se oferecendo" ao poder público paulista e
paulistano. O discurso foi "olha, eu vou construir um estádio pra 45 mil aqui,
que não atende a Fifa...mas se quiserem entrar, a gente vê quanto custa para que
esse estádio seja no padrão Fifa e a abertura da Copa possa ser aqui, vocês
bancam a diferença, que tals?". E a diferença ficava em 400 milhões, bem menos
que os mais de 600 para reformar um estádio já existente. Houve negociação
política nisso? O fato do Lula ser corinthiano e o Andres ser petista devem ter
contribuido? Só quem não conhece nada de política poderia negar essa hipótese.
Mas lembro que os governadores Serra e Alckmin e o prefeito Kassab, sem nenhuma
ligação partidária com o governo federal, muito menos laços emocionais com o
Corinthians, embarcaram nessa. Parece que foram fundamentais nessa decisão (i)
o desgaste de quase 3 anos do elefante branco morumbi não indo pra frente, bem
como a possibilidade de não ficar refém do clube que enrolou o comitê esse tempo
todo e pôs em risco a abertura em São Paulo (ii) o fato de que o investimento
estatal seria cerca de 200 milhões a menos do que reformar o Morumbi e,
principalmente, (iii) o dinheiro para infra-estrutura seria investido em
Itaquera, uma região enorme, pobre e na periferia da cidade, e não na região
nobre do Morumbi - o efeito colateral e de desenvolvimento faria muito mais
sentido. Pense comigo: uma solução que trouxe junto petistas e tucanos deveria
ser, de fato, a que fizesse mais sentido, não?
Você vai ler e
escutar por aí várias versões dos fatos, mas de fato pouca gente sabe o que
exatamente e como aconteceu. Há fatos por aí e a gente vai juntando eles,
formando a nossa narrativa. Existem narrativas que não ferem a lógica, não
trazem absurdos, que não contradizem os fatos conhecidos do público; e existem
narrativas infantis, baseadas em premissas como "é tudo uma conspiração para
ajudar não sei quem".
Eu era contra a Copa
vir no Brasil e sou dos chatos que acham que investimentos públicos em estádio
são uma m*. Isso posto, o discursinho de que o Corinthians "ganhou estádio" com
dinheiro público é só babaquice de torcedor (com ou sem microfone). O gasto em
São Paulo, por conta da Copa, para viabilizar um estádio capaz de receber a
abertura foi menor do que o gasto com estádios mais simples em qualquer outro
estado da federação, sendo que em sp esse gasto trará um desenvolvimento para
uma região da cidade que tem mais habitantes que a maioria dos estados
brasileiros. Mesmo financeiramente, dentre as possibilidades foi a solução mais
barata para o poder público (as outras soluções seriam deixar a abertura para
outra cidade, reformar o Morumbi por 640 milhões ou construir um do zero). Não
fosse o Corinthians o envolvido, esse assunto estaria liquidado há 3 anos.
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